sábado, 23 de agosto de 2014

sujeito e objeto na filosofia

A relação entre sujeito e objeto na filosofia.

Posted on 09/07/2014

Por Michel Aires de Souza                              
download"Temos a forte impressão que o real existe fora de nós, que o mundo é tal como o vemos, mas na verdade a realidade não existe como algo externo ao indivíduo, ela é um dado interno. Não sabemos como o mundo é na verdade.   Nossa percepção não o percebe como ele é em si mesmo.  Nós só conseguimos perceber a realidade coerente e coesa porque os estímulos do mundo externo são transformados por nossos sentidos.  Desse modo transformamos vibrações em sons, reações químicas em cheiros, fótons em imagens, ondas eletromagnéticas em cores. O mundo em si não tem cheiro, cor, sabor, sons ou uma forma definida.  Não podemos dizer que o céu é azul, uma vez chamamos de azul certas ondas eletromagnéticas que, ao serem captadas pelos olhos, são transmitidas pelos nervos ópticos causando a impressão de azul em nosso cérebro.  O aparelho visual humano percebem radiações eletromagnéticas dentro de um espectro de comprimento de onda que vai de aproximadamente 380 nanômetros até 780 nanômetros. Mas é necessário que essas ondas sejam captadas por nossa retina e sejam transformadas por nosso cérebro em um estímulo mental que chamamos cor.    Da mesma forma sentimos o doce, amargo, azedo, ácido por causa das papilas gustativas, que são receptores do paladar da língua, produzindo a partir das propriedades químicas do objeto um estímulo mental que chamamos sabor.  Não podemos dizer também que o mundo que nos cerca produz sons. O que existe são ondas que se propagam no ar. Para que essas ondas sejam transformadas em sons é necessário que tenham sido  captadas por nossos ouvidos e sejam transformadas em um estímulo mental que denominamos som.  Hoje já podemos responder uma velha pergunta filosófica: há som quando uma árvore desaba numa floresta, se não tiver alguém para ouvir?  É claro que não, uma vez que a queda da árvore produz ondas no ar, mas essas ondas só produzem sons se forem captadas por um ser vivo que possa transformá-las em estímulos sonoros.
           Essas questões sobre a percepção do real nos remetem a um velho problema da filosofia: a relação entre sujeito e objeto.  Há três vertentes que procuram esclarecer essa relação: o realismo, o idealismo e o criticismo kantiano. Em cada uma delas há um modo peculiar de compreender a realidade.
         A primeira vertente, o realismo, se refere ao primado do objeto.  O ponto de partida para o conhecimento são as coisas,  tal como elas se encontram no mundo.  A representação que fazemos do real depende dos objetos.  O conhecimento se estabelece como adequação. Os nossos conceitos e ideias se adequam as coisas. Dessa forma, o mundo é tal como o vemos e percebemos. “A palavra latina que designa coisas é res. Esta resposta primordial, e até diria primitiva, natural, leva na história da metafísica o nome de realismo, da palavra latina res. À pergunta: quem existe? Responde o homem naturalmente: existem as coisas – res – e esta resposta é o fundo essencial do realismo metafísico” (Morente, 1980, p.68). Para o realismo o mundo possui uma inteligibilidade que pode ser compreendida pela razão. A partir da reflexão podemos formar conceitos ou noções das coisas, procurando conhecer suas estruturas. Assim o conhecimento reflete na mente a realidade.  Essa é uma posição ingênua,  uma vez que acreditamos naquilo que percebemos por nossos sentidos. Acreditamos na percepção humana como uma instância capaz de captar as estruturas da realidade, como elas são em si mesmas. É como se os nossos sentidos fossem o espelho do mundo. Percebemos um mundo acabado, pronto, estável com uma estrutura deteminada que pode ser compreendida pela razão. Toda filosofia até o século XVI foi realista, uma vez que todo conhecimento tinha como postulado a existência das coisas.  Do mesmo modo o senso comum é realista, pois acredita na existência das coisas como elas são em si. Muitos séculos demorou a humanidade a mudar o modo de pensar. Foi somente no mundo moderno que a filosofia começou a estudar os modos ou as estruturas subjetivas do conhecimento. Foi a partir daí que surgiu um novo modo de conhecer e pensar a realidade.
        A segunda vertente surge no mundo moderno: o idealismo. Ao contrário do realismo, o idealismo se refere ao primado do sujeito. O sujeito surge como um átomo, como um ser fixo e acabado, que contém em si certas estruturas e certas ideias claras e distintas.  A partir dessas estruturas e ideias podemos conhecer o real.  O real nesse sentido é determinado pelas estruturas que subjaz no indivíduo.  O real somente se constitui a partir do eu.  Ao contrário do realismo, “o idealismo considerará, preferentemente, o conhecimento como uma atividade que vai do sujeito às coisas, como uma atividade elaboradora de conceitos, ao final de cuja elaboração surge a realidade das coisas” (Morente, 1980, p.68).  Nesse sentido o conhecimento não é mais determinado pelo objeto, mas pelo sujeito. A capacidade de conhecer depende da subjetividade do indivíduo, do eu penso. O maior representante do idealismo foi  o filósofo francês René Descartes (1596-1650).  Foi ele que tornou a subjetividade  o fundamento do sujeito do conhecimento.  Em seu livro “Discurso do método”, ao duvidar de toda a realidade e de todo saber produzido sobre ela,  seu ponto de partida era a busca de um axioma que pudesse servir de fundamento a todo conhecimento, uma  verdade primeira indubitável.  A partir da dúvida  Descartes chega a uma verdade certa e segura, o eu penso:  “cogito ergo sum”. Se duvido, eu penso; se penso, eu existo. A partir dessa verdade ele deduz a realidade do eu e do mundo.  Em seu ponto de vista, o ser humano já nasce com certos conhecimentos universais e necessários capazes de conhecer a realidade. Por exemplo, sabemos que todo triângulo têm três lados ou que duas paralelas são equidistante intuitivamente, não precisamos demonstrar empiricamente essas verdades, uma vez que elas são inatas.  Sem esses conhecimentos ou princípios apriori seria impossível conhecer a realidade.  O eu cartesiano é puro pensamento (res cogitans). O pensamento é o lugar da verdade, é o puro intelecto, pois é por meio dele que adquirimos as idéias claras e distintas. É esse puro intelecto que se torna o núcleo do conhecimento.
       A terceira vertente, o criticismo kantiano, vai buscar um meio termo entre o realismo e o idealismo.  Chama-se criticismo porque o filósofo alemão Emmanuel Kant fez uma crítica da razão, traçando os limites daquilo que podemos conhecer. Em sua opinião, o conhecimento se dá como relação entre o sujeito e o objeto, entre um ser cognoscente e um objeto cognoscível. É dessa relação que surge o conhecimento. O conhecimento é uma síntese entre o objetivo e o subjetivo.  Para Kant todo nosso conhecimento começa na experiência, mas nem todo ele provém da experiência.  O real não é algo externo ao indivíduo, mas este o produz no interior de si mesmo. Somos nós que através de certas faculdades apriori (estabelecidos independentes da experiência) organizamos e damos sentido e coerência ao real.  A razão seria  essa capacidade que o ser humano tem, partindo de princípios apriori, representar e conhecer o mundo.  Desse modo, o conhecimento só lida com fenômenos. O mundo aparece como representação para o sujeito que o conhece.
        Conhecer é o ato pelo qual o pensamento apreende o objeto ou o torna presente, esforçando-se para formar uma representação que exprime perfeitamente este objeto. Na teoria kantiana para conhecer é preciso se distinguir a matéria, isto é, o objeto, e a forma, isto é, a maneira pela qual conhecemos o objeto. A matéria é aquilo que no fenômeno corresponde à sensação. Já a forma do fenômeno é aquilo que faz com que a diversidade do fenômeno seja ordenada na intuição, através de certas relações. Há duas formas, portanto, apriori do conhecimento: a sensibilidade e o entendimento.
     A sensibilidade é a capacidade de receber representações, graças à maneira pela qual somos afetados pelos objetos. É mediante a sensibilidade que os objetos nos são dados, só ela nos fornece intuições. A intuição é o que se torna consciente de maneira imediata. A sensibilidade intui os objetos pela percepção dos sentidos, organizando o material sensível em uma relação espaço-temporal.  Tempo e espaço são formas apriori  do sentir,   que organizam as intuições que temos do mundo. O tempo e o espaço não são categorias que pertencem à realidade, mas ao indivíduo.    Para Newton, tempo e espaço são entes reais absolutos. Para Leibniz, são apenas determinações ou também relações das coisas em si mesmas. Já para Kant, são determinações ou relações inerentes apenas à forma da intuição. Espaço e tempo não são propriedades das coisas e nem se originam da observação do mundo exterior. Pelo contrário, aquilo que entendemos como realidade pressupõe o espaço e o tempo.
            Por sua vez, para que haja o conhecimento é necessário também o entendimento, ou seja, a faculdade que sintetiza em conceitos as intuições da sensibilidade. A causalidade, a unidade, a forma e a relação que percebemos  nas coisas não são atributos delas, mas são atributos da nosso entendimento.  O entendimento possui  as formas de relacionar as coisas como causa e efeito, substância, atributo, unidade, pluralidade. Essas formas são os predicados de toda experiência possível. É o entendimento que produz esse mundo organizado que representamos o em nossa mente. Assim, percebemos um mundo organizado, estritamente conexo, segundo a ordem causal. Em outras palavras, só podemos ter a experiência do real pela conjugação da sensibilidade (que nos dá os objetos) e do entendimento (que pensa esses objetos). É assim que surge a representação da realidade em nossa mente.   Com o criticismo kantiano o problema do sujeito e objeto chega a um impasse, pois não podemos conhecer de forma absoluta a realidade em si mesma. Não podemos conhecer o mundo a nossa volta, uma vez que o real é produzido pelo sujeito que conhece.  O mundo surge como representação, como fenômeno.  Saber o que é a realidade em si  não é mais possível.
BIBLIOGRAFIA
Ballone G. J.  Percepção e Realidade. In. PsiqWeb, Internet, disponível em <http://www.psiqweb.med.br/site/?area=NO/LerNoticia&idNoticia=206&gt; Acesso em Julho de 2014.
DESCARTES, R. DescartesRMeditações Metafísicas. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
DESCARTES, R. Discurso do Método. São Paulo: Martins Fontes, 1996
 KANT, I. Crítica da razão pura. São Paulo: Abril cultural, 1983 (Os Pensadores).
MARÍAS, J. História da Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
 MORENTE, Manuel G. Fundamentos da filosofia: lições preliminares. 8 edição. São Paulo: Mestre Jou, 1980."

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Conhece-te a ti mesmo (Sócrates)

de Fátima Pinheiro, Jornal "Expresso" em 19.1o.2013

"Mirror", Andrei Tarkovsky (1979)
http://images-cdn.impresa.pt/expresso/users-3506-350624-at-19a0.jpg/original/mw-860"(...) A novidade de Sócrates está em ter tomado como pedra angular do pensar o"conhece-te a ti mesmo". Em contraste com o pensamento anterior, que atinge a sua expressão máxima no trabalho dospré-socráticos, o "pai da filosofia" argumenta que sem um trabalho do "eu sobre si mesmo" (reflexão) todo o saber filosófico se reduz a uma História de Ideias e não a umarealização pessoal. E a felicidade que todos, de uma forma ou outra, procuramos - com ou sem esse nome: chame-se "auto-ajuda", ou coisa parecida como auto-estima: em consciência ou não - uma utopia, um lugar vazio em cada vida. E é isto que eu quero? Um vazio? Não me parece. Por isso é que todos andamos agitados com tudo, menos com o essencial. Como se andássemos a matar a sede com sal, muito sal.

A procura da lei do devir, ou do movimento, e de como ela acaba por ser a razão ou unidade da multiplicidade, levou os pré-socráticos - de Tales a Demócrito - à identificação de um"arché", um princípio ou logos: razão de ser lógica e ontológica da natureza ou fúsis. Dai eles serem também designados de fisiólogos; mas não todos no mesmo saco. Não se pode igualar um Parménides com um Leucipo. Mas a onda é a mesma. A "vaga" de Sócrates irrompe e afirma: não andes lá por fora mas entra em ti mesmo e debate-te; procura, sim, aquilo sem o qual nada pode ser procurado; procura a lei do teu movimento interior, o sustento do teu eu.

Ou seja, cada ser humano nasce munido de um conjunto de exigências e evidências (de justiça, de verdade, de felicidade, de amor), e é com elas que "sai" para o mundo e confronta "o que lhe acontece" com essa "natureza" ou "coração".  Adoptar outro critério é pura alienação, é deixar-se pensar pelos outros. Nada há de pior do que viver de uma resposta sem que alguma vez se tenha feito a pergunta.

Trata-se de um processo que não é difícil mas exige trabalho. Como costumo dizer, para mim difícil é dançar em pontas ou fazer o pino. Este caminho não é díficil mas é exigente. É um apelo à inteligência, na disciplina do apuramento dos critérios, do "conhece-te a ti mesmo". Trata-se de um trabalho pessoal, de uma ascese, de um "começar a julgar". De uma libertação, de se chamar, e chamar cada coisa pelo nome. Levando ao fundo as perguntas sobre o sentido da vida, mergulha-se num oceano deconversão, isto é, de "mudança" do coração.

A filosofia pergunta, pergunta. É só jogar para fora? Às vezes sim, outras não. Pode haver tantas filosofias quantos os filósofos. Mas filosofia há sempre. Todos temos algumas ideias sobre a vida, nem que seja a de não ter ideia nenhuma. É como esta poesia de que deixo um excerto. Gosto muito dela e é mais que perguntar. Ela é ânimo e matéria para a "minha" filosofia".  "E eu quem sou?", pergunta o poeta italiano Giacomo Leopardi à LUA, hoje cheia. O poema chama-se "Canto Nocturno de uma Pastor errante da Ásia".

Tal como o poeta, raramente jogo para fora. Para canto sim. E do que mais gosto, é mesmo de jogar. Um bom treinador e uma boa equipa ajudam, mas eu tenho que jogar. Poesia é muito bom; às vezes é confundida com filosofia.
Che fai tu, luna, in ciel? dimmi, che fai,/Silenziosa luna?/Sorgi la sera, e vai,/Contemplando i deserti; indi ti posi./Ancor non sei tu paga/Di riandare i sempiterni calli?/Ancor non prendi a schivo, ancor sei vaga/Di mirar queste valli?/Somiglia alla tua vita/La vita del pastore./Sorge in sul primo albore/Move la greggia oltre pel campo, e vede/Greggi, fontane ed erbe;/Poi stanco si riposa in su la sera:/Altro mai non ispera./Dimmi, o luna: a che vale/ Al pastor la sua vita,/La vostra vita a voi? dimmi: ove tende/Questo vagar mio breve,/Il tuo corso immortale?/ .../ che vuol dir questa/ Solitudine immensa? ed io che sono?

A resposta está na lua... complexa, misteriosa, mas simples"