quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Conhece-te a ti mesmo (Sócrates)

de Fátima Pinheiro, Jornal "Expresso" em 19.1o.2013

"Mirror", Andrei Tarkovsky (1979)
http://images-cdn.impresa.pt/expresso/users-3506-350624-at-19a0.jpg/original/mw-860"(...) A novidade de Sócrates está em ter tomado como pedra angular do pensar o"conhece-te a ti mesmo". Em contraste com o pensamento anterior, que atinge a sua expressão máxima no trabalho dospré-socráticos, o "pai da filosofia" argumenta que sem um trabalho do "eu sobre si mesmo" (reflexão) todo o saber filosófico se reduz a uma História de Ideias e não a umarealização pessoal. E a felicidade que todos, de uma forma ou outra, procuramos - com ou sem esse nome: chame-se "auto-ajuda", ou coisa parecida como auto-estima: em consciência ou não - uma utopia, um lugar vazio em cada vida. E é isto que eu quero? Um vazio? Não me parece. Por isso é que todos andamos agitados com tudo, menos com o essencial. Como se andássemos a matar a sede com sal, muito sal.

A procura da lei do devir, ou do movimento, e de como ela acaba por ser a razão ou unidade da multiplicidade, levou os pré-socráticos - de Tales a Demócrito - à identificação de um"arché", um princípio ou logos: razão de ser lógica e ontológica da natureza ou fúsis. Dai eles serem também designados de fisiólogos; mas não todos no mesmo saco. Não se pode igualar um Parménides com um Leucipo. Mas a onda é a mesma. A "vaga" de Sócrates irrompe e afirma: não andes lá por fora mas entra em ti mesmo e debate-te; procura, sim, aquilo sem o qual nada pode ser procurado; procura a lei do teu movimento interior, o sustento do teu eu.

Ou seja, cada ser humano nasce munido de um conjunto de exigências e evidências (de justiça, de verdade, de felicidade, de amor), e é com elas que "sai" para o mundo e confronta "o que lhe acontece" com essa "natureza" ou "coração".  Adoptar outro critério é pura alienação, é deixar-se pensar pelos outros. Nada há de pior do que viver de uma resposta sem que alguma vez se tenha feito a pergunta.

Trata-se de um processo que não é difícil mas exige trabalho. Como costumo dizer, para mim difícil é dançar em pontas ou fazer o pino. Este caminho não é díficil mas é exigente. É um apelo à inteligência, na disciplina do apuramento dos critérios, do "conhece-te a ti mesmo". Trata-se de um trabalho pessoal, de uma ascese, de um "começar a julgar". De uma libertação, de se chamar, e chamar cada coisa pelo nome. Levando ao fundo as perguntas sobre o sentido da vida, mergulha-se num oceano deconversão, isto é, de "mudança" do coração.

A filosofia pergunta, pergunta. É só jogar para fora? Às vezes sim, outras não. Pode haver tantas filosofias quantos os filósofos. Mas filosofia há sempre. Todos temos algumas ideias sobre a vida, nem que seja a de não ter ideia nenhuma. É como esta poesia de que deixo um excerto. Gosto muito dela e é mais que perguntar. Ela é ânimo e matéria para a "minha" filosofia".  "E eu quem sou?", pergunta o poeta italiano Giacomo Leopardi à LUA, hoje cheia. O poema chama-se "Canto Nocturno de uma Pastor errante da Ásia".

Tal como o poeta, raramente jogo para fora. Para canto sim. E do que mais gosto, é mesmo de jogar. Um bom treinador e uma boa equipa ajudam, mas eu tenho que jogar. Poesia é muito bom; às vezes é confundida com filosofia.
Che fai tu, luna, in ciel? dimmi, che fai,/Silenziosa luna?/Sorgi la sera, e vai,/Contemplando i deserti; indi ti posi./Ancor non sei tu paga/Di riandare i sempiterni calli?/Ancor non prendi a schivo, ancor sei vaga/Di mirar queste valli?/Somiglia alla tua vita/La vita del pastore./Sorge in sul primo albore/Move la greggia oltre pel campo, e vede/Greggi, fontane ed erbe;/Poi stanco si riposa in su la sera:/Altro mai non ispera./Dimmi, o luna: a che vale/ Al pastor la sua vita,/La vostra vita a voi? dimmi: ove tende/Questo vagar mio breve,/Il tuo corso immortale?/ .../ che vuol dir questa/ Solitudine immensa? ed io che sono?

A resposta está na lua... complexa, misteriosa, mas simples"


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